terça-feira, 20 de dezembro de 2011

De olho no Victoza


Diagnosticada com diabetes tipo 2, a relações públicas Vera Santiago passou o ano de 2010 lutando contra seu alto índice glicêmico. Para melhorar o quadro, sua médica sugeriu o uso da recém-lançada liraglutida (vendida sob o nome comercial de Victoza®). Mas às vésperas de sua primeira caixa acabar, Vera enfrenta agora outro desafio: encontrar o medicamento nas farmácias. Isso porque o remédio sumiu das prateleiras desde que sua capacidade em inibir o apetite ficou conhecida. Para completar, dificilmente ele é adquirido por menos de R$ 400. "Sigo na lista de espera de uma grande drogaria. Está em falta porque quem quer emagrecer consegue comprá-lo com facilidade, mesmo não havendo indicação na bula para isso", lamenta a profissional.
Vera tem razão. Nem o fabricante do Victoza® - o laboratório Novo Nordisk - nem a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendam o uso do medicamento para qualquer fim que não seja o controle do diabetes. Entretanto, muitos mé- De olho no Victoza dicos passaram a receitar a liraglutida para pacientes obesos ou com ligeiro sobrepeso, o que provocou uma verdadeira caça ao tesouro. Mas, afinal, o Victoza® pode ser considerado um medicamento milagroso para quem sonha entrar em forma?
Menos fome
A liraglutida é uma substância similar a um hormônio produzido no intestino chamado GLP-1. Vale saber que este hormônio é, normalmente, liberado no organismo quando nos alimentamos, e tem por função potencializar a produção de insulina pelo pâncreas. "Exatamente por isso, a nova droga é indicada para o tratamento do diabetes tipo 2, ou seja, para suprir a deficiência na produção de insulina pelo órgão. O Victoza® sensibiliza o pâncreas para que ele secrete mais insulina ao estímulo alimentar", descreve Claudia Cozer, endocrinologista e diretora da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Mas além de estimular o pâncreas a liberar mais insulina, hormônio responsável pelo transporte da glicose do sangue para as células, a liraglutida conta com outro trunfo: torna mais lenta a permanência dos alimentos no estômago. A perda de peso, portanto, ocorre porque a paciente se sente mais saciada e, consequentemente, passa a comer menos. "O emagrecimento foi observado como efeito secundário nos testes com diabéticos. Mas já sabíamos que esse hormônio agia sobre o controle do peso, já que os obesos mórbidos submetidos à cirurgia bariátrica possuem uma presença maior dessa substância no intestino", destaca Claudia.

Esperança
O Victoza® tem o formato de uma caneta e funciona como uma injeção subcutânea. A indicação para diabéticos é de uma aplicação ao dia, o que proporciona uma perda média de 4 kg a 6 kg ao ano. Isso sem restrições no cardápio ou prática de qualquer atividade física. O emagrecimento, entretanto, não é regra nessa dosagem. "Eu, por exemplo, não perdi um grama. Mas para o controle glicêmico ele é supereficiente", confessa Vera.
Ainda assim, a liraglutida sinaliza uma esperança para obesos mórbidos. A prova é um novo estudo encomendado pelo Novo Nordisk, tendo agora como foco os obesos não diabéticos. "A pesquisa ainda está em andamento. Mas, em julho, foi publicado um trabalho no qual houve a perda de 7,8 kg em um grupo que usou a medicação por dois anos", diz Claudia.
Esta quantidade de quilos perdidos, entretanto, pode aumentar. Segundo o endocrinologista Antonio Carlos do Nascimento, da Clínica Montenegro (SP), o Victoza® contribui para reduzir a quantidade de calorias ingeridas. "Se associarmos exercícios físicos, a perda de peso pode ser ampliada com este medicamento", defende o médico.
O outro lado
Para os diabéticos que tentam controlar a doença, os efeitos emagrecedores do Victoza® são uma boa-nova. "Afinal, estima-se que quase 90% dos portadores de diabetes tipo 2 sejam obesos", diz Airton Golbert, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Sem contar que alguns antidiabéticos podem desencadear o aumento no peso. "A glibenclamida, por exemplo, pode gerar fome. Há outras opções que não engordam, mas também não estimulam o emagrecimento", explica Golbert.
Enfim, para aquelas pessoas que sonham com o emagrecimento fácil, vale um alerta: não há ainda estudos sobre os efeitos colaterais em doses maiores do que aquelas já usadas pelos diabéticos, que relataram, por sua vez, náuseas, dor de cabeça e diarreia. "Há efeitos adversos em curto e longo prazo que ainda desconhecemos. Utilizá-lo é como ser cobaia", alerta Claudia Cozer.
Efeitos desconhecidos
Para que a venda de um medicamento seja liberada no Brasil, o laboratório deve apresentar estudos da droga em três fases: a primeira, com cobaias; a segunda, com um pequeno grupo de pessoas; e, a última, com milhares de usuários. É por meio desses estudos que os efeitos colaterais são descobertos. Atualmente, o uso do Victoza® em obesos ainda não teve sua terceira fase do estudo concluída. Em tempo: um exemplo trágico das consequências em usar um medicamento sem a devida segurança aconteceu na década de 1950, com a talidomida. Indicado para tratar enjoos de gestantes, o medicamento causava, na verdade, má-formação fetal, efeito não identificado nos estudos com animais. "Caso descubram problemas com a liraglutida, a responsabilidade será do médico que a receitou", ressalta Airton Golbert. O remédio também pode causar um "rebote" nos usuários: basta parar as aplicações para engordar tudo de novo. Ou seja, a paciente terá de usar o remédio por toda a vida. Será seguro? Vale lembrar ainda que o custo do remédio é bem elevado", acrescenta o endocrinologista.
Na balança
As discussões sobre o Victoza® chegaram no momento em que a Anvisa decidiu manter a liberação da sibutramina, e proibir a venda de três moderadores de apetite: dietilpropiona, femproporex e mazindol. Quando o assunto são os anorexígenos, há estimativas, sobretudo, de que a liraglutida proporcione um desempenho melhor que seus colegas. Segundo Antonio Carlos do Nascimento, o motivo seria sua ação sutil nos centros nervosos, evitando mudanças de humor. "Enquanto a sibutramina age na região hipotalâmica do cérebro, a liraglutida atua também em parte neste centro, além de retardar o esvaziamento gástrico", explica o médico. Outra pesquisa publicada no Journal of Endocrinolgy (EUA) sinalizou que a liraglutida estimulou ainda mais a perda de peso em roedores do que a orlistat (Xenical). "Mas a favor dos anorexígenos convencionais, porém, está o fato deles terem sido submetidos ao crivo do tempo, o que facilita suas indicações e contraindicações", finaliza o endocrinologista.
Tira-dúvidas
Novas questões surgem todos os dias sobre os efeitos em longo prazo da liraglutida. O endocrinologista Antonio Carlos do Nascimento responde às mais ouvidas em seu consultório

A liraglutida pode realmente causar câncer de tireoide?
O câncer medular de tireoide é raro em humanos. Ele apareceu no estudo com roedores quando as concentrações sanguíneas eram oito vezes maiores que as indicadas. Nenhum dos 4.557 pacientes diabéticos tipo 2 do estudo apresentou a doença, assim como nenhum dos obesos não diabéticos.

Ela pode provocar pancreatite?
No estudo com diabéticos tipo 2 ocorreram sete casos entre as 4.557 pacientes que participaram da pesquisa. Contudo, pacientes diabéticos apresentam estatisticamente três vezes maior probabilidade de desenvolver a doença. Nos estudos em não diabéticos não houve casos positivos.

Há complicações cardiovasculares?

Ainda que não esteja concluída a avaliação quanto à sua segurança cardiovascular, a expectativa é positiva. Espera-se não somente que o medicamento não prejudique o sistema cardiovascular, mas que também traga benefícios.


Fotos: Shutterstock e divulgação

http://dietaja.uol.com.br/saude-fitness/201/de-olho-no-victoza-sim-a-droga-usada-no-240889-1.asp

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